VSR 2023
RELATÓRIO DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA 2023

Tecnologia e Pessoas

Tecnologia e Pessoas: Um ato de equilíbrio

A digitalização e a automatização instalaram-se em quase todas as áreas da vida no mundo moderno e permeiam também a área da mobilidade cada vez mais profundamente. Os termos “condução altamente automatizada” ou “condução autónoma” estão em todas as bocas e são considerados a solução privilegiada para solucionar problemas fundamentais de tráfego. Que exigências estão associadas e que lugar ocupa o ser humano nesse contexto é o que este relatório pretende descrever pormenorizadamente.

“Arrancámos sem ninguém segurar o volante, contornámos esquinas a toda a velocidade, passámos por outros veículos motorizados igualmente sofisticados, ninguém buzinava. […] No lugar de um volante encontrei uma placa de metal na qual estava gravado o mapa da cidade de forma muito detalhada e nítida. Sobre ele um indicador fino como uma agulha. Mal desloquei ligeiramente este indicador, o carro saiu disparado pelas ruas que eu ainda não conhecia. De modo igualmente repentino, parou. […] O mais fantástico de tudo é que o carro se desviou de outros veículos, parou subitamente diante de cruzamentos movimentados, deixou passar outros carros e comportou-se como se tivesse memorizado todas as regras de trânsito imagináveis.”
Quem hoje lê este trecho do romance de ficção científica de Werner Illing, “Utopolis”, publicado em 1930, tem dificuldade em acreditar como o escritor alemão antecipou, já nessa altura, o desígnio no qual os fabricantes de veículos trabalham hoje em dia a toda a força. Principalmente porque, no seguimento do romance, no que diz respeito ao modo de funcionamento técnico do “carro que misteriosamente se conduz a si mesmo” aborda-se o tema da conetividade: cada carro possui à frente “um pequeno olho prismático” que atua sobre células elétricas fotossensíveis e comunica com olhos elétricos embutidos “discretamente nas paredes das casas”. “Reflexos espelhados variáveis permitem a estes olhos mecânicos regular as velocidades e a direção.”
93 anos depois, com a crescente digitalização da circulação rodoviária, a sociedade está no limiar da maior revolução na mobilidade desde a invenção do automóvel. O software e a eletrónica assumem, neste aspeto, cada vez mais tarefas e tornam o automóvel uma máquina rolante de alta tecnologia. Entretanto, todos os fabricantes eminentes de topo oferecem condução assistida e parcialmente automatizada, nos próximos anos, o número de veículos com funções de condução automatizada deverá aumentar significativamente.

Fundamentalmente, recetivos a novas tecnologias

Mas qual é efetivamente a atitude, por exemplo na Alemanha, face à condução automatizada? Como é que os automobilistas se comportariam perante veículos com esse tipo de equipamento? Essencialmente, confiam na segurança de funções de condução automatizadas, nomeadamente, nos sistemas de assistência ao condutor? Existem atualmente problemas na operação de funções e sistemas técnicos nos veículos? Seriam desejáveis funções e sistemas estandardizados nos veículos? Para responder a estas perguntas, o Instituto de sondagem de opinião Forsa realizou um inquérito representativo a pedido da DEKRA. No inquérito realizado em outubro de 2022 participaram, no total, mais de 1500 habitantes falantes de alemão com mais de 18 anos de idade, selecionados por um processo aleatório sistemático.
No que diz respeito ao próprio comportamento face a veículos totalmente automatizados, 60% dos inquiridos diz que teriam mais cautela perante um veículo totalmente automatizado do que com um veículo conduzido por uma pessoa – independentemente de estarem a circular de automóvel, bicicleta ou como peão. 36% encarariam um tal veículo com o mesmo nível de cuidado que teriam com um veículo conduzido por uma pessoa. O ceticismo face a veículos totalmente automatizados aumenta com a idade dos inquiridos, a precaução é maior nas mulheres do que nos homens.
No que diz respeito a sistemas de assistência ao condutor, como assistente de travagem de emergência, assistente de manutenção na faixa de rodagem ou regulador de distância em relação aos outros veículos, já instalados nos automóveis modernos, a confiança está relativamente bem disseminada com 68%. Mas cerca de 25% continua a não ter muita confiança nos sistemas e 5% expressa total desconfiança. Cerca de metade dos inquiridos indica que, no que diz respeito à confiança na segurança de funções de condução automatizadas, não fazem distinções entre os vários fabricantes de automóveis. Para 87% daqueles que, neste momento, confiam mais em alguns fabricantes de automóveis do que em outros, a marca do veículo desempenha um papel (muito) importante. 78% considera que o país de fabrico é uma aspeto importante e 55% considera também o preço do veículo um fator relevante.

Os níveis da automatização

Por trás da evolução tecnológica da condução manual até à condução totalmente automatizada esconde-se um processo interligado complicado e moroso com inovações em muitos domínios técnicos diferentes. A Society of Automotive Engineers (SAE) divide este processo em seis níveis. O nível 0 define a condução clássica convencional. O condutor controla o veículo, sistemas adicionais apoiam o processamento de informação do condutor através de auxiliares de orientação (sistema de navegação com indicação de itinerário) ou avisos (por exemplo, o assistente de ângulo morto ou o assistente de estacionamento acústico). O nível 1 define a condução assistida, sistemas de assistência assumem componentes individuais da tarefa de condução em determinadas situações. Deles fazem parte, por exemplo, o controlo de velocidade, o regulador de manutenção da distância ou até mesmo o assistente de estacionamento ativo que executa toda a manobra de estacionamento num lugar de estacionamento, como se fosse um mordomo digital. Na condução parcialmente automatizada de nível 2, mediante certas condições, o veículo mantém-se na faixa de rodagem ou acelera autonomamente.
A condução altamente automatizada de nível 3 permite ao condutor desviar a atenção temporariamente da tarefa de condução e do trânsito. O veículo circula dentro do âmbito de aplicação definido pelo fabricante de forma autónoma, sendo que a pessoa ao volante está obrigada a assumir rapidamente o controlo quando o sistema o solicita. Neste nível, a pessoa no lugar do condutor desempenha já um papel híbrido pois alterna entre a função clássica de condutor do veículo e um mero utilizador do veículo durante a marcha no modo automatizado. Um exemplo atual para uma automatização de nível 3 é o sistema Drive Pilot da Mercedes-Benz. A 2 de dezembro de 2021, o Serviço federal dos veículos a motor emitiu a primeira homologação a nível mundial para este sistema automático de aviso de afastamento da faixa de rodagem. Cuja utilização no Classe S da Mercedes Benz está atualmente limitada a estradas equiparadas a autoestradas até uma velocidade de 60 km/h e apenas é permitida à luz do dia, com boas condições de visibilidade e condições meteorológicas sem geada. A pessoa ao volante deve estar sempre pronta a reassumir a condução do veículo após um pedido de transferência de controlo correspondente.
No nível 4 seguinte, a condução totalmente automatizada, a pessoa sentada ao volante cede totalmente as funções de condução ao veículo e passa a ser um passageiro. O veículo supera muitos troços de forma autónoma e, após a cedência de controlo ao veículo, o condutor do veículo pode também abstrair-se do que se passa na estrada. O sistema deve estar em condições de reconhecer atempadamente os limites de forma a poder alcançar um estado seguro de forma autónoma e de acordo com as regras evitando sinistros, na medida que o veículo é estacionado na berma da estrada ou numa faixa de emergência. Os ocupantes não podem mais ser responsabilizados por infrações ou danos ocorridos durante o modo totalmente automatizado. A condução de um veículo no nível 4 é significativamente mais abrangente do que no nível 3 e inclui apenas alguns critérios de exclusão concretos definidos.
No nível mais elevado, o autónomo, de condução sem condutor (nível 5) são eliminadas todas as restrições. Apenas estão presentes passageiros sem quaisquer tarefas de condução, enquanto nos níveis 3 e 4, os utilizadores no veículo estão isentos da função de condução apenas temporariamente. No nível 5, os ocupantes nunca têm uma função de condução. São também possíveis viagens sem ocupantes, a tecnologia no automóvel supera todas as situações de tráfego de forma independente. O utilizador determina o destino e deixa-se conduzir. Torna-se um mero passageiro como no comboio ou num avião. Neste nível, a pessoa ao volante está totalmente “out of the loop” e não é mais um interveniente na esfera de controlo homem-máquina.

Complexidade da condução automatizada

Que desafios para os fabricantes e programadores estão associados à condução automatizada a partir do nível 3 e superior estão patentes, entre outros, no Operational Design Domain (ODD), o chamado domínio de conceção ou âmbito operacional. O ODD determinado pelo fabricante deverá abranger declarações, pelo menos, sobre os aspetos de precipitação, hora do dia, condições de visibilidade, marcações da faixa de rodagem, terreno e interdependência V2X. Para um sistema de condução automatizada é, além disso, de suma importância uma série de aspetos de segurança. Fazem parte delas a condução segura mediante o respeito das regras de trânsito, a interação segura com o utilizador na forma de mensagens de estado, a concretização de situações de condução críticas para a segurança, a promoção de um estado de funcionamento seguro, nomeadamente, através da comunicação de trabalhos de manutenção próximos e a gestão de avarias devido a erros do sistema ou a um acesso não autorizado ao sistema.
Adicionalmente, o sistema tem de conseguir processar vários cenários. Mais concretamente, cenários nominais (por exemplo, a adaptação da velocidade e da distância para o veículo que circula à frente), cenários críticos (como quando um outro veículo mais lento se insere e trava diante do próprio veículo) e cenários de erro como, por exemplo, a falha de um sensor. Outros critérios de definição importantes são, entre outros, o tipo de operação com respeito ao acesso ao sistema e à posição do utilizador durante a condução. Igualmente, o sistema tem de saber quantos utentes da estrada tem à volta do veículo, de que tipo são, onde se encontram e como se movem, de forma a poder reagir em conformidade.
É um facto: o nível crescente de automatização faz-se acompanhar por um aumento da porção das tarefas de condução que são assumidas pelo sistema técnico. Proporcionalmente, a porção das tarefas de condução desempenhada pelas pessoas diminui. Nos primeiros três níveis (nível 0 a nível 2), os assistentes e sistemas apoiam ou complementam o condutor que assume a parte principal da tarefa de condução e permanece responsável por ela. Nos níveis superiores (a partir do nível 3) o controlo do veículo é parcial ou totalmente e permanentemente delegado no sistema do veículo, o que, com efeito, gera novos riscos potenciais desconhecidos até agora.
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